Pesquisadores afirmam que desenvolver a autocompaixão é mais eficaz do que focar na autoestima.

Autocompaixão é uma palavra ainda pouco compreendida.
Usamos raramente, para falar a verdade.
Ou, quando usamos, ela costuma aparecer com um sentido errado.
Como se fosse sinônimo de ter pena de si mesmo.
O fato é que autocompaixão não tem nada a ver com posturas vitimistas — ou algo do gênero.
Até podemos dizer que o exercício vai no sentido oposto. Pois impede, justamente, que se construa uma visão da realidade onde se é impotente.
A proposta de autocompaixão está mais para a prática madura, saudável (e libertadora) de aceitar a si mesmo. Com direito a cometer erros de escolha. Pensar diferente. E — talvez o mais importante — se permitir não dar conta de tudo.
Então autocompaixão é o mesmo que baixar os padrões, certo?
Ou se acostumar a esperar menos de si mesmo... Se conformar com um problema...
Te parece isso mesmo?
Bem, se fosse assim, autocompaixão seria companhia para complexo de inferioridade.
E, obviamente, não é este o caso.
A pergunta, portanto, é: como praticar a autocompaixão de modo sensato?
Ou seja:
Como avaliar as próprias falhas, culpas e vergonhas sem se torturar no processo — nem passar pano para si mesmo?
Porque autocompaixão se trata disso. De encarar o que incomoda de frente, sem fugir do assunto.
Admitir que um sofrimento é válido. Que um erro foi cometido. Que existem “pontos negativos” em sua história.
Em outras palavras, praticar a autocompaixão é se reconhecer imperfeito.
E se perdoar por isso.
“O curioso paradoxo é que, quando me aceito como sou, posso mudar.” — Carl Rogers
Mas qual a utilidade de se tratar com compaixão?

A melhor resposta para essa questão não vem de “achismos” — mas, sim, de pesquisas científicas.
E é aqui que a Dra. Kristin Neff entra na história.
Foi durante seu doutorado, na Universidade da Califórnia em Berkeley, que ela experimentou, na prática, os efeitos da autocompaixão em seu bem-estar mental.
Na época, Kristin passava por um divórcio difícil.
Ao mesmo tempo, enfrentava a pressão de ser produtiva em sua atividade acadêmica.
E, para piorar, tinha dúvidas sobre sua vida profissional — incluindo o medo de não conseguir emprego.
Sobrecarregada, ela resolveu dar uma chance à meditação.
Precisava organizar melhor as ideias, dar clareza ao pensamento.
O que descobriu, ela conta neste Ted Talk:
Quer um resumo?
Kristin Neff percebeu que, apesar de a autocompaixão ser uma habilidade impressionante, faltavam estudos (sérios, consistentes) que comprovassem seus benefícios.
A partir de então, ela passou a se dedicar à investigação (científica) do que o ato de se tratar com compaixão — diante de momentos ou lembranças difíceis — causa à saúde psicológica de alguém.
Benefícios da autocompaixão
Kristin Neff, assim como outros pesquisadores, depois dela, chegaram a conclusões como:
a autocompaixão amplia o autoconhecimento e, por consequência, oferece uma visão realista sobre as próprias limitações;
funciona como (poderosa) estratégia de enfrentamento à autocrítica e aos pensamentos negativos repetitivos;
melhora a relação com a imagem corporal;
favorece uma relação mais saudável com a comida;
desperta maior capacidade de resiliência (superação e crescimento a partir de desafios, dificuldades e adversidades);
promove maior satisfação com a vida;
diminui inibições em situações sociais;
confere senso de autoconfiança, o que ajuda a afastar medos de julgamentos e sentimentos de vergonha;
eleva a motivação e encoraja iniciativas pessoais;
reduz sintomas de estresse, ansiedade e depressão.
A lista é ampla e vai além desses pontos.
Mas, a partir dos resultados apontados, você já consegue entender porque o desenvolvimento da habilidade é tão promissor, não é mesmo?
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Como praticar a autocompaixão
Kristin Neff afirma que a prática da autocompaixão segue 3 pilares:
Benevolência: ser gentil e compreensivo consigo próprio (ou seja, transformar a conversa interna numa voz amiga), como contraponto ao autojulgamento.
Senso de humanidade compartilhada: reconhecimento de que o sofrimento, a frustração e a inadequação pessoal são experiências comuns a todos os seres humanos — e não um “castigo” individual.
Atenção plena (mindfulness): percepção e aceitação do momento, dos pensamentos e dos sentimentos tal como eles são, sem tentar ignorar ou negar o que nos causa dor. Ao mesmo tempo, nesse processo de autoconsciência, é fundamental ter clareza de que o problema ou a emoção negativa não definem ninguém. São eventos — sempre passageiros — que logo darão lugar a outras experiências.
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O melhor exercício de autocompaixão para você testar:

Escute, com atenção, um áudio de meditação guiada.
Procure, no YouTube ou em aplicativos de música, títulos que incluam consciência amorosa ou bondade amorosa em sua especificação.
A maioria dos áudios tem entre 10 e 20 minutos de duração — ou seja, nada que vá atrapalhar sua agenda.
Instruções para quem nunca meditou:
Tudo o que você precisa fazer é fechar os olhos e acompanhar a voz do guia de meditação.
É normal se dispersar durante a sessão. Ao perceber que perdeu o foco do áudio, apenas decida voltar a ele, no ponto onde ele está. Não precisa começar tudo de novo!
Procure um estilo e uma voz que te agradem.
Não tem problema ignorar certas instruções. Nem sempre conseguimos imaginar o que é proposto. Mas não deixe de, ao menos, tentar.
Muito provavelmente, você sentirá uma sensação de bem-estar já na primeira tentativa.
Com a prática, os efeitos melhoram — e sua capacidade de concentração também.
Sugestões de áudios:
Para te dar um empurrãozinho extra — e facilitar sua pesquisa — vou te indicar 3 sessões de meditação guiada (para exercício da autocompaixão) disponíveis no YouTube.
Basta clicar e seguir as orientações:
Mindfulness: Prática da Compaixão ou Consciência Amorosa, por Sonia Beira Antonio | Mente Aberta Mindfulness Brasil
Prática de mindfulness para iniciantes — bondade amorosa, por Victor Tapias
Meditação Guiada da Bondade Amorosa | Bem-estar no Asfalto
Se você encontrar outros áudios que funcionem melhor para você, fique à vontade para incluir sua recomendação nos comentários (logo ao final deste texto).
Dica extra:
Memorize algumas frases, à sua escolha, que você possa trazer à mente com facilidade, sempre que se sentir angustiado, frustrado ou melancólico.
Repita essas frases para si mesmo, fazendo delas seu mantra pessoal de autocompaixão.
Uma ideia é usar o mantra que a própria Dra. Kristin Neff desenvolveu:
Este é um momento de sofrimento. O sofrimento faz parte da vida. Que eu seja gentil comigo mesmo neste momento. Que eu possa dar a mim mesmo a compaixão de que preciso.
Recursos complementares
Para se aprofundar no assunto — aprender diferentes exercícios de autocompaixão e compreender sua prática no cotidiano — recomendo a leitura dos livros:
Autocompaixão: Pare de se torturar e deixe a insegurança para trás, de Kristin Neff (Editora Lúcida Letra). A página da Editora propõe um teste online para você verificar seus níveis de autocompaixão. Clique no link para acessar.
A coragem de ser imperfeito, de Brené Brown (Editora Sextante).
Manual de Mindfulness e Autocompaixão: Um Guia para Construir Forças Internas e Prosperar na Arte de Ser Seu Melhor Amigo, de Kristin Neff e Christopher Germer (Editora Artmed).
Clínica de Psicologia Especializada em Terapia Cognitivo Comportamental.
Está localizada na Vila Mariana/SP